Olá caro paciente,

Vou falar com vocês hoje sobre um tema que foi a minha área de pesquisa nos últimos anos: A correlação entre a apneia do sono e arritmias cardíacas.

Nesse primeiro post vou falar um pouco sobre apneia do sono e te dar a ideia da dimensão dessa doença. Espero que gostem!


Primeiramente, o que é a apneia do sono?

A apneia do sono, ou apneia obstrutiva do sono (AOS), é o "carro-chefe" das chamadas desordens respiratórias do sono, que englobam um grupo grande de doenças que afetam o sono (desvio de septo, a hipertrofia da adenoide ("carne esponjosa"), dentre outros).


O que ocorre na apneia do sono?

Durante o sono, as pessoas que têm risco de apresentar a doença apresentam na região da faringe uma obstrução da passagem de ar para os pulmões.


Quem são as pessoas que têm maior risco?


Vejam aí.. Os homens de fato tem uma prevalência maior da doença em relação às mulheres, mas a prevalência entre mulheres também não é algo desprezível. Tanto em homens quanto em mulheres, a maior faixa etária se correlaciona com um aumento na prevalência da doença. Isso ocorre pela diminuição da força da musculatura da faringe com o passar do tempo, além da presença de outras doenças que vão se acumulando ao longo da vida, bem como da capacidade da resposta do nosso cérebro quando a apneia ocorre.  

A obesidade é o grande fator a ser combatido na prevenção e tratamento da doença. Fiz questão em deixar em negrito essa frase, pois saibam que a correlação entre AOS e obesidade (valor de IMC) é algo linear. Quanto mais obeso, mais chance de apneia do sono...

E não só isso: quanto mais obeso, maior a gravidade da apneia do sono. Vejam a primeira imagem que postei. Comparem o pescoço do indivíduo com apneia em relação ao indivíduo normal.. o que vemos em branco na imagem? Gordura cervical.. 

E de fato aquele pescoço gordinho, curtinho é o padrão da apneia do sono, sendo que quanto maior a circunferência da região cervical, maior a chance de apneia do sono associada.

Se seu pai ou sua mãe tem esse "shape" da apneia do sono, chances grandes que você venha a ter também. A história familiar é algo importante a ser levado em consideração. Essa é uma doença que ilustra bem a máxima de que você tem fatores genéticos que te predispõe a uma doença e quando eles se associam a fatores ambientais (hábitos, estilo de vida..), você passa a desenvolver a doença.


Subdiagnóstico

O grande problema da AOS é que ela é uma doença extremamente subdiagnosticada. Isso significa o que? Muitas pessoas devem ter a doença, mas o diagnóstico simplesmente não é realizado. A realidade é que o real impacto global da doença é algo, atualmente, imensurável.

Vejam aí.. o estudo EPISONO. Esse estudo pegou 1042 voluntários da cidade de São Paulo e submeteu eles ao exame que faz o diagnóstico de apneia do sono, a chamada Polissonografia. Olhem aí o resultado:

32.9% dos indivíduos com apneia do sono!!! Um terço das pessoas... não são doentes de um hospital, são voluntários!! Quantos tinham diagnóstico prévio? Nenhum.



Sintomas

A AOS causa então uma respiração anormal durante o sono (com queda no fluxo de oxigênio pros pulmões a cada vez que ocorre) e gerando pequenos despertares ao longo da noite para liberar a passagem do ar (fragmentação do sono). O sono, que deveria ser algo reparador e que te deixa "zerado" para o dia seguinte, na verdade gerou diminuição do oxigênio para o corpo todo e um sono todo "picado". Imaginem como vai ser o dia seguinte da pessoa. Imaginem como vai ser a vida dessa pessoa, porque a apneia do sono vai ocorrer noite-a-noite, de maneira crônica e recorrente ao longo dos anos. Disso surgem os principais sintomas da doença:

  • sono não reparador
  • sonolência excessiva diurna
  • fadiga
  • insônia
  • despertar associado a engasgo
  • roncos altos
  • apneia testemunhada.



Beleza... entendi tudo isso... mas qual é o problema afinal de ter essa doença?


O artigo que eu coloquei aí abaixo do grande professor Dr. Luciano Drager (que esteve inclusive na banca do meu mestrado e a quem tenho grande admiração e respeito) mostra como o paciente com AOS apresenta todos as consequências listadas abaixo, que culminam com o desenvolvimento de doenças como Hipertensão Arterial, Diabetes e Colesterol Alto, além da maior chance de virem apresentar Infarto e Derrame. Tudo isso se junta e o que temos no final é um aumento na mortalidade desses indivíduos.

E não só isso. Saibam que quanto mais grave a apneia do sono, maior a mortalidade. A apneia do sono é, atualmente, dividida pelo chamado Índice de Apneia-Hipopneia, que nada mais é do que a quantidade de vezes por hora de sono em que ocorre a queda no fluxo de ar que já conversamos. Vejam aí os resultados de um dos maiores estudos já publicados de acompanhamento e historia natural de pacientes com apneia do sono, com mais de 1500 pessoas.

A sobrevida dos indivíduos foi menor quanto maior o grau de gravidade da apneia do sono. Ou seja... não é só a questão de ter ou não a doença.. mas também a intensidade e quantidade de vezes em que ocorrem essas obstruções de fluxo de ar. 


Tratamento: 

O tratamento da AOS é multidisciplinar e multifatorial. Como se pode imaginar, a perda de peso é um ponto fundamental no tratamento da doença. A perda de peso diminui significativamente a ocorrência dos eventos obstrutivos, podendo inclusive gerar o retorno à normalidade da respiração durante o sono. A avaliação otorrinolaringológica por vezes é necessária para a compreensão de fatores locais de obstrução ao fluxo aéreo. 

O grande tratamento em casos de apneia do sono moderada a grave é o uso de um dispositivo para pressurizar continuamente a via aérea, impedindo seu colabamento durante o sono, chamado CPAP (do inglês Continuous Positive Airway Pressure).

Resultado de imagem para cpap

O CPAP permite que haja a normalização da respiração durante o sono, gerando com isso um aumento significativo na qualidade de vida das pessoas que fazem uso do equipamento (quando bem indicado). Existem diversos modelos no mercado, o que é interessante pois gera diferentes possibilidades para adaptação e conforto do paciente. O fisioterapeuta respiratório pode ajudar na adequação da máscara e titulação pressórica do aparelho.

Também é importante tratar as doenças associadas (todo esse perfil de maior risco que se associa à doença), destacando-se a hipertensão arterial, o diabetes e o colesterol alto, e prevenir a ocorrência das complicações mais graves como infarto e AVC.


É isso aí.. espero que tenham gostado!!

Em breve vou dar continuidade ao tema falando um pouco sobre a arritmia cardíaca sustentada mais comum do mundo: A Fibrilação Atrial. 

dúvidas: tamerelandere@usp.br


Um abração,

Dr. Tamer El Andere