Olá caro paciente,

    Dando sequência no nosso papo sobre apneia do sono e arritmias cardíacas. Hoje falaremos sobre a fibrilação atrial (FA); a arritmia sustentada mais comum do mundo! Vamos entender o por quê dessa arritmia ser tão relevante na prática clínica, sua relação com outras doenças muito comuns e seu manejo terapêutico. 


Vamos lá então...

    A FA é uma arritmia em que os átrios, cavidades do coração responsável por transmitir o sangue para dentro dos ventrículos, ao invés de seguir o ritmo normal do coração (ritmo sinusal), passa a apresentar uma desorganização elétrica, com estímulos elétricos muito rápidos e totalmente anárquicos. O átrio não consegue nem contrair, apenas "fibrilar". 

    Alguns problemas podem vir a surgir com isso, dentre eles, destaca-se o acidente vascular cerebral (AVC), que ocorre pela coagulação do sangue parado dentro do átrio parado (não-contraindo/fibrilando). Isso gera a formação de trombos (coágulos), que se desprendem do coração e vão parar frequentemente na cabeça (embolização). Vejam nesta tabela retirada da diretriz européia de FA de 2016, alguns outros impactos relevantes da FA em diferentes parâmetros clínicos extremamente relevantes: 



    Não só isso, a FA também se relaciona à maior ocorrência de demência. Neste famoso estudo populacional americano (ARIC), um total de 737 indivíduos portadores de FA e 6080 indivíduos sem a doença foram seguidos por 20 anos avaliando-se a indicidência de demência e declínio neurocognitivo. Vejam só: 


Vejam como houve uma incidência, aproximadamente, 4 vezes maior de demência em portadores de FA <57 anos de idade e 3.5 vezes maior em pacientes >57 anos de idade quando comparados a indivíduos sem a arritmia de mesma faixa etária. Fato também exposto em diversos outros estudos relacionados ao tema.


    Pois é, o impacto muitas vezes é devastador, daí a necessidade da gente entender os aspectos epidemiológicos, prevenir o surgimento, controlar os fatores associados e prevenir as complicações relacionadas à essa doença. 

    Vamos entender um pouco mais da relevância mundial dessa arritmia. Será que tem todo esse impacto mundial??

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstravam que, em 2010, 33.5 milhões de homens e 12.6 milhões de mulheres eram portadoras de FA ao redor do mundo. Interessantemente, fizeram uma comparação em relação ao ano de 1990, avaliando 20 anos de evolução da doença ao redor do mundo. Vejam: 




    Tanto em homens, quanto em mulheres, houve um aumento na indicência da doença, que é maior em indivíduos do sexo masculino.

    Paradoxalmente, vejam como, de maneira sustentada ao longo desses 20 anos, a mortalidade é maior no sexo feminino. A FA é uma das doenças debatidas no tema "saúde cardiovascular da mulher", onde particularidades na fisiopatologia, apresentação e desfechos cardiovasculares nas mulheres vêm sendo cada vez mais estudadas.

Olhem como foi a distribuição de mortes atribuíveis à FA ao redor do mundo no ano de 2010 no mapa mundial a seguir:



    Notem como países mais desenvolvidos são mais afetados pela doença, que se relaciona a outros fatores de risco (como a obesidade e outras doenças cardiovasculares) que acompanham o desenvolvimento socioeconômico. É aquela coisa, com o desenvolvimento de saneamento básico, da medicina, dentre outros fatores, as pessoas deixam de morrer de causas infectocontagiosas e passam a morrer de infarto, avc, câncer (doenças cardiovasculares e crônico-degenerativas).

Os dois gráficos abaixo resumem o que vimos até agora:


    Países desenvolvidos com maior mortalidade atribuível à FA em relação aos em desenvolvimento. Entretanto, ao olharmos os países em desenvolvimento, nota-se o aumento expressivo na taxa de mortes atribuíveis à FA em mulheres, denotando essa necessidade de atenção à doença cardiovascular na mulher que felizmente vem surgindo ao longo das últimas duas décadas. 


    Com o envelhecimento populacional, dados populacionais estimam que até 2050 a FA deve afetar 6 - 12 milhões de americanos e até 2060 17.9 milhões de europeus. Dados brasileiros, inclusive no DATASUS, são, infelizmente, escassos, mas dados globais ajudam a entender o que ocorre e a expectativa do que ocorrerá em nosso país. 

Vejam nesse estudo americano de uma grande coorte nacional publicada em 2017 como a FA apresenta relação direta com a idade, semelhante ao que vimos com a AOS:

Sim, mais de um quarto dos indivíduos acima dos 85 anos irão apresentar FA em algum momento da vida!! Vejam o incremento cada vez maior conforme avança-se na terceira idade.


    Ok. Vimos a idade como um fator bastante relevante, além do desenvolvimento sócioeconômico populacional, entretanto, esses não são fatores que conseguimos modificar.

Precisamos entender o que mais se relaciona com a FA, e vou dizer a vocês: frequentemente, ela vem junto no "pacotão" da obesidade e maus hábitos de vida  - Pressão alta, diabetes, colesterol alto, tabagismo, etilismo...

Vejam só nesse estudo avaliando mais de 5000 indivíduos seguidos por um tempo médio de 13.7 anos

Os indivíduos que apresentavam obesidade apresentavam uma probabilidade maior de desenvolver FA, tanto em homens quanto em mulheres!

    E será que perdendo peso consegue-se controlar melhor a FA??

Isso que foi visto no estudo LEGACY, que avaliou 322 pacientes com FA por um seguimento de 5 anos. 



    Aqueles que apresentavam uma perda de peso >10% (linha vermelha) apresentavam maior tempo livre de FA em relação aos indivíduos que perderam entre 3-9% do peso (linha azul clara) e aos que perderam <3% ou ganharam peso (linha azul escura). Portanto, combater a obesidade faz parte integral do tratamento da FA!

    As diferentes diretrizes de FA preconizam o rastreio e o manejo das diferentes comorbidades associadas ao maior risco de FA. Vejam nesta tabela da diretriz europeia de 2016 quais são esses fatores e o risco atribuível (HR: Hazard Ratio) a cada um deles: